quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A DEPRESSÃO DO FORTE


Existe um tipo de depressão diferente, provavelmente poucos conseguem discernir-la, e ela é terrível. Originalmente a depressão é uma doença visível, o doente perde peso, sua aparência é débil e sua vontade de viver é fraca, o estágio mais avançado e trágico leva milhares de pessoas a simplesmente desistirem de viver.

Certamente o tipo original de depressão parece ser mais violento tendo em vista que, o perfil psicológico do depressivo é crucial para o desenvolvimento e avanço da doença, que de maneira trivial, este perfil classifica as pessoas como “fortes” e “fracos” psicologicamente, ou apenas; “bastante emocional” ou “não muito emocional”. Sendo que o “mais fraco” ou o “mais emocional” são aqueles mais suscetíveis aos avanços dantescos da doença.

Se pudéssemos fazer uma atrevida comparação com as doenças causadas por micro organismos, assim como o vírus, que obedecendo a leis adaptativas evolui e combate os anticorpos, e até mesmo técnicas imunológicas de vacinação e uso de antibióticos, a depressão poderia encaixar-se perfeitamente nesta dinâmica.

Pois nesta dinâmica, estes chamados de “fortes” emocionalmente e psicologicamente, seriam deveras mais resistentes a depressão. Dê ânimo forte e “cabeça no lugar”, estas pessoas aparentemente conseguem sobressaltar as intempéries da vida com facilidade, conseguem dar a volta por cima de situações ruins e inimagináveis, não sendo difícil despertarem admiração por tais indivíduos. Porém a depressão conseguiu evoluir, e estes já não mais são imunes ao fantasma da tristeza crônica.

Sua estratégia é bem simples, assemelha-se ao drama de Prometeu, que mesmo sendo inteligente, astuto, forte emocionalmente e psicologicamente, o bastante para roubar o fogo dos deuses e ensinar-lhes aos homens, fora pego, condenado a sofrer uma pena terrível. Todos os dias uma águia dilacerava o seu fígado o deixando a beira da morte. Porém no fim do dia o fígado se regenerava, para uma vez mais, no dia seguinte chegar a águia e assim suceder tudo de novo.

Nos primeiros dias Prometeu poderia até pensar que sempre ao fim do dia ele estaria curado, porém, com o passar de não muito tempo, nem a cura vespertina o poderia mais lançar-lo a esta sensação de vitalidade, estava ele doente, acumulado de dilacerações, a cura momentânea não era nada.

A depressão dos fortes acontece assim, por serem sonhadores e otimistas quanto ao futuro, tornam-se seres de ânimo fortalecido. Esta força normalmente resiste a “pancadas mortais”, afastando a temida depressão original. Porém, quando a realidade pouco a pouco vai minando os planos, acabando com a paz de espírito, não de uma única vez, lentamente, permitindo que o indivíduo de ânimo forte recupere seus sonhos todos os dias, para uma vez mais, com a chegada da alvorada, chegar também a realidade dilaceradora.

Com o tempo, o tal balsamo vespertino torna-se obsoleto, ele cura a dor momentânea, não a acumulada, ele permite que o indivíduo sorria, brinque e se divirta, a droga é tão forte que ele de fato esquece a águia enquanto entorpecido de afazeres e companhia, é um disfarce fatal, pois como toda droga, seu efeito acaba tornando-se mais fraco, até que por fim já não existe mais diferença entre a chegada da águia e a chegada do balsamo.

O sucesso deste tipo de depressão nestes indivíduos consiste no fato dubitável de serem fortes. Além de se entorpecerem com a cura da dor, não fazem o tipo de se abrir emocionalmente, ou demonstrar fraqueza, dificilmente o sabem que estão depressivos, talvez nem ache que isto é possível e até que descubram certamente não saberão como lidar com isto.

Assim, lentamente vão perdendo o que os destacam de outros indivíduos, o ânimo, não se tem mais prazer em nada, trabalho, faculdade, relacionamentos... Sonha-se com a satisfação, mas a águia diariamente a empurra cada vez mais para longe, é o misto do tédio com a infelicidade, insistir, fazer, estar e mover-se parece cada vez mais ser uma idiotice, pois só um debilitado mental acredita que é possível esquivar-se de uma águia estando imobilizado por correntes sob determinação divina.

O efeito é uma reação em cadeia, ao entrar em decadência em suas atividades e relacionamentos o indivíduo não é compreendido, afinal, não é ele o “forte de ânimo”? Como será possível que tal pessoa se porte de maneira tão displicente? E com as cobranças surge a consciência de que de fato tal indivíduo está decadente, ele não chora, ele não reclama, e não está de cara feia, a doença não está perceptível, e talvez os únicos conservados da droga vespertina tornam-se agora irritantes e entediantes. Nada mais é prazeroso, torna-se realmente lamentável ter compromisso com qualquer coisa.

Talvez apenas sonhar torna-se prazeroso, o que aumenta a inércia, pois quando a realidade é insuportável procuramos recorrer à fantasia para ao menos tentarmos por alguns breves instantes ficarmos bem.