Existe um tipo de depressão diferente, provavelmente poucos conseguem
discernir-la, e ela é terrível. Originalmente a depressão é uma doença visível,
o doente perde peso, sua aparência é débil e sua vontade de viver é fraca, o
estágio mais avançado e trágico leva milhares de pessoas a simplesmente
desistirem de viver.
Certamente o tipo original de depressão parece ser mais
violento tendo em vista que, o perfil psicológico do depressivo é crucial para
o desenvolvimento e avanço da doença, que de maneira trivial, este perfil
classifica as pessoas como “fortes” e “fracos” psicologicamente, ou apenas; “bastante
emocional” ou “não muito emocional”. Sendo que o “mais fraco” ou o “mais
emocional” são aqueles mais suscetíveis aos avanços dantescos da doença.
Se pudéssemos fazer uma atrevida comparação com as doenças
causadas por micro organismos, assim como o vírus, que obedecendo a leis adaptativas
evolui e combate os anticorpos, e até mesmo técnicas imunológicas de vacinação
e uso de antibióticos, a depressão poderia encaixar-se perfeitamente nesta dinâmica.
Pois nesta dinâmica, estes chamados de “fortes”
emocionalmente e psicologicamente, seriam deveras mais resistentes a depressão.
Dê ânimo forte e “cabeça no lugar”, estas pessoas aparentemente conseguem
sobressaltar as intempéries da vida com facilidade, conseguem dar a volta por
cima de situações ruins e inimagináveis, não sendo difícil despertarem admiração
por tais indivíduos. Porém a depressão conseguiu evoluir, e estes já não mais são
imunes ao fantasma da tristeza crônica.
Sua estratégia é bem simples, assemelha-se ao drama de Prometeu,
que mesmo sendo inteligente, astuto, forte emocionalmente e psicologicamente, o
bastante para roubar o fogo dos deuses e ensinar-lhes aos homens, fora pego,
condenado a sofrer uma pena terrível. Todos os dias uma águia dilacerava o seu
fígado o deixando a beira da morte. Porém no fim do dia o fígado se regenerava,
para uma vez mais, no dia seguinte chegar a águia e assim suceder tudo de novo.
Nos primeiros dias Prometeu poderia até pensar que sempre ao
fim do dia ele estaria curado, porém, com o passar de não muito tempo, nem a
cura vespertina o poderia mais lançar-lo a esta sensação de vitalidade, estava
ele doente, acumulado de dilacerações, a cura momentânea não era nada.
A depressão dos fortes acontece assim, por serem sonhadores
e otimistas quanto ao futuro, tornam-se seres de ânimo fortalecido. Esta força
normalmente resiste a “pancadas mortais”, afastando a temida depressão
original. Porém, quando a realidade pouco a pouco vai minando os planos,
acabando com a paz de espírito, não de uma única vez, lentamente, permitindo
que o indivíduo de ânimo forte recupere seus sonhos todos os dias, para uma vez
mais, com a chegada da alvorada, chegar também a realidade dilaceradora.
Com o tempo, o tal balsamo vespertino torna-se obsoleto, ele
cura a dor momentânea, não a acumulada, ele permite que o indivíduo sorria,
brinque e se divirta, a droga é tão forte que ele de fato esquece a águia
enquanto entorpecido de afazeres e companhia, é um disfarce fatal, pois como
toda droga, seu efeito acaba tornando-se mais fraco, até que por fim já não
existe mais diferença entre a chegada da águia e a chegada do balsamo.
O sucesso deste tipo de depressão nestes indivíduos consiste
no fato dubitável de serem fortes. Além de se entorpecerem com a cura da dor, não
fazem o tipo de se abrir emocionalmente, ou demonstrar fraqueza, dificilmente o
sabem que estão depressivos, talvez nem ache que isto é possível e até que
descubram certamente não saberão como lidar com isto.
Assim, lentamente vão perdendo o que os destacam de outros indivíduos,
o ânimo, não se tem mais prazer em nada, trabalho, faculdade, relacionamentos...
Sonha-se com a satisfação, mas a águia diariamente a empurra cada vez mais para
longe, é o misto do tédio com a infelicidade, insistir, fazer, estar e mover-se
parece cada vez mais ser uma idiotice, pois só um debilitado mental acredita
que é possível esquivar-se de uma águia estando imobilizado por correntes sob
determinação divina.
O efeito é uma reação em cadeia, ao entrar em decadência em
suas atividades e relacionamentos o indivíduo não é compreendido, afinal, não é
ele o “forte de ânimo”? Como será possível que tal pessoa se porte de maneira tão
displicente? E com as cobranças surge a consciência de que de fato tal indivíduo
está decadente, ele não chora, ele não reclama, e não está de cara feia, a
doença não está perceptível, e talvez os únicos conservados da droga vespertina
tornam-se agora irritantes e entediantes. Nada mais é prazeroso, torna-se
realmente lamentável ter compromisso com qualquer coisa.