segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O PROPÓSITO DA VIDA


Imaginemos um mundo, este mesmo mundo bem diferente do atual. Vamos nos permitir exagerar nas possibilidades imaginativas. Então, portanto este mundo é bem próximo da perfeição. Não há doenças, não há pobreza, não há desigualdades, não há morte, mas há saúde, riquezas, igualdade e fraternidade e vida abundante. Porém não estou falando da Nova Jerusalém, o céu prometido na bíblia, nem tampouco dos Campos Elísios descritos por Homero, é a Terra, nosso lar, nosso minúsculo planeta envolto a este ainda inescrutável universo.

Teoricamente nossa espécie irá perecer. Ou iremos consumir a nós mesmos, com guerras, superpopulação e destruição dos recursos naturais, ou a própria natureza, ao seguir seu curso, eliminará a nossa espécie, bem como toda a vida neste planeta, com uma era glacial extrema, ou com a inevitável morte do nosso Sol.

Imaginar a primeira possibilidade, a do mundo perfeito, é indiscutivelmente mais reconfortante do que imaginar o fim de nossa espécie e da vida em si. Isto tem uma explicação que em conjunto carrega a resposta do “porque” estarmos aqui. A vida é programada para desejar continuar vivendo.

Tudo começou quando houve a primeira mutação biológica, uma arma a ser usada para se manter vivo. Quando a primeira célula absorveu outra como se fosse um combustível, eis aí um esforço, não pensado e sim instintivo de permanecer aqui. Adicione a isto a reprodução das espécies e teremos uma fórmula de imortalidade, não do indivíduo em si, mas da vida em si. Quando um material biológico se reproduz, ainda que fadado a morrer, ele faz a manutenção da perpetuação da vida. E desta forma, estamos vivos a mais de 3,5 bilhões de anos.

Na busca desesperada pela sobrevivência, a matéria orgânica passou por mutações, evoluções e especiações. E então temos uma variedade imensa de animais que caminham e já caminharam por este planeta. Alguns se extinguindo, outros se adaptando. Contudo podemos dizer que desde a evolução química, a que permitiu a ocorrência de vida na terra, a maior proeza do esforço biológico em manter-se aqui foi o surgimento do homem.

O homem é a vida compreendendo o que ela é. Antes do surgimento do homem não havia entendimento sistematizado, não havia abstração. A vida, isto é, a matéria orgânica carregava consigo o comportamento da autopreservação, um poderoso ingrediente da perpetuação. Porém com a chegada do homem, o esforço da vida em manter-se ganhou uma arma incomparável, a compreensão. O homem, com a sua capacidade de comunicação e abstração, desenvolveu a ciência para viver melhor, e ela é utilizada em todas as áreas das nossas vidas, mais do que isso, a ciência tem trazido ao homem a compreensão do quem somos nós, de onde estamos, do que somos feitos... O homem é o maior representante da vida e carrega consigo a capacidade de atingir o seu real propósito. A perpetuação. A mesma ciência desenvolvida pelo homem compreendeu os padrões de comportamento biológico, suas limitações, e já começa a burlar estas limitações. Entendeu o funcionamento do planeta, do sistema solar e o próprio sol.

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A capacidade de reflexão do homem fez com que o mesmo buscasse respostas para o porquê de estarmos aqui. Por muito tempo era a religião quem respondia estas perguntas, no entanto, a investigação científica fez com que o homem compreendesse que não há propósito, não há um céu, a morte é o fim individual que assola todos os viventes. Não há propósito a não serem os comportamentos de autopreservação que carregamos instintivamente, tais como o medo de se ferir, o medo da morte, a ânsia pelo sexo, o apego pelos filhos. Estes comportamentos nada diferem dos de outras espécies irracionais, pois se trata de um instinto coletivo de algo maior, este algo maior é a vida e ela “quer” se perpetuar. Todo o comportamento do homem revela este instinto biológico de preservação, e converge todo o esforço para ele. Intelectualmente sabemos que iremos morrer, mas ignoramos, e continuamos a construir cidades ou famílias, pois instintivamente queremos perpetuar a matéria orgânica aqui. A satisfação do homem, bem como dos demais seres vivos, é um fundamental mecanismo usado para a perpetuação da vida.

Então devemos entender que este é o propósito de estarmos aqui. Afinal, este o é, e somente o homem pode compreendê-lo, e somente o homem pode dar o passo seguinte nesta empreitada da vida. Para manter-se, sem nenhuma interferência racional, a vida usou seus meios apelativos, como a absorção de outros seres vivos em forma de alimento, a competição, a ânsia sexual e reprodutiva, a evolução e a adaptação. Com o uso da inteligência poderemos aperfeiçoar este intento, e cumprir o nosso real propósito.

Também devemos compreender que somos por demais primitivos, e para seguir frente à este propósito da vida deveremos passar por severas transformações e amadurecimentos, não somente científicos, mas principalmente sociais. Quando os homens unirem seus esforços nesta intenção, retirando as rebarbas da tentativa anterior da vida que é o traço do comportamento humano como competitivo, defensivo, agressivo, ambicioso etc. Poderão convergir socialmente e cientificamente para o aperfeiçoamento e otimização de nossa espécie, corroborando assim com o propósito da vida.

Tornemos a imaginar as possibilidades. O avanço do trans-humanismo que poderá aperfeiçoar nossa espécie, criando seres humanos mais inteligentes, mais fortes, mais resistentes. O prolongamento da vida humana, o avanço da ciência robótica que substituirá definitivamente o esforço humano. O labor do homem culminará de todas as direções para o aperfeiçoamento, desta vez intelectualmente intencional, da nossa espécie, que é o ápice das manifestações biológicas. Através da ciência, e do avanço social iremos nos perpetuar, não somente como matéria orgânica, mas também como indivíduo. Aumentaremos significativamente a nossa capacidade tecnológica. Habitaremos outros planetas, nos espalharemos pelo sistema solar, com nossa ciência e compreensão, da vida e do universo, não seremos vítimas quando o nosso Sol, daqui a milhões de anos, explodir ou minguar. Iremos descobrir o dispositivo biológico do envelhecimento e da morte, e iremos neutralizá-los, e a morte não existirá mais. Olharemos para trás, e lembraremos quão primitivos eramos quando ainda perecíamos com doenças, catástrofes naturais, quando ainda perecíamos de velhice, ou ainda matávamos animais para poder nos alimentar. A preocupação não será de um planeta super-populoso por não haver mais mortes, mas sim de um sistema solar populoso, aí então iremos colonizar outras estrelas. E assim cumpriremos o nosso propósito. O de viver para sempre, o de habitar o universo. Pois do universo, somos nós a manifestação inteligível.

Para muitos esta visão parecerá não pouco otimista, e utópica excessivamente. E ela o é. Ela afligirá e não encontrará lugar na mente de quem pouco é habilidoso com a imaginação, a mesma imaginação e abstração que nos permitiu diferenciar-nos das demais espécies. A vida trava uma luta contra o tempo, está destinada a perecer e sucumbir com este planeta. Entretanto ela lançou uma carta no jogo, esta carta pode mudar o fim do jogo. Esta carta somos nós. A maior cartada da vida.