Imaginemos um mundo, este mesmo
mundo bem diferente do atual. Vamos nos permitir exagerar nas possibilidades
imaginativas. Então, portanto este mundo é bem próximo da perfeição. Não há
doenças, não há pobreza, não há desigualdades, não há morte, mas há saúde,
riquezas, igualdade e fraternidade e vida abundante. Porém não estou falando da
Nova Jerusalém, o céu prometido na bíblia, nem tampouco dos Campos Elísios descritos
por Homero, é a Terra, nosso lar, nosso minúsculo planeta envolto a este ainda inescrutável
universo.
Teoricamente
nossa espécie irá perecer. Ou iremos consumir a nós mesmos, com guerras,
superpopulação e destruição dos recursos naturais, ou a própria natureza, ao
seguir seu curso, eliminará a nossa espécie, bem como toda a vida neste
planeta, com uma era glacial extrema, ou com a inevitável morte do nosso Sol.
Imaginar a
primeira possibilidade, a do mundo perfeito, é indiscutivelmente mais
reconfortante do que imaginar o fim de nossa espécie e da vida em si. Isto tem
uma explicação que em conjunto carrega a resposta do “porque” estarmos aqui. A
vida é programada para desejar continuar vivendo.
Tudo começou
quando houve a primeira mutação biológica, uma arma a ser usada para se manter
vivo. Quando a primeira célula absorveu outra como se fosse um combustível, eis
aí um esforço, não pensado e sim instintivo de permanecer aqui. Adicione a isto
a reprodução das espécies e teremos uma fórmula de imortalidade, não do indivíduo
em si, mas da vida em si. Quando um material biológico se reproduz, ainda que
fadado a morrer, ele faz a manutenção da perpetuação da vida. E desta forma,
estamos vivos a mais de 3,5 bilhões de anos.
Na busca
desesperada pela sobrevivência, a matéria orgânica passou por mutações, evoluções
e especiações. E então temos uma variedade imensa de animais que caminham e já
caminharam por este planeta. Alguns se extinguindo, outros se adaptando.
Contudo podemos dizer que desde a evolução química, a que permitiu a ocorrência
de vida na terra, a maior proeza do esforço biológico em manter-se aqui foi o
surgimento do homem.
O homem é a
vida compreendendo o que ela é. Antes do surgimento do homem não havia
entendimento sistematizado, não havia abstração. A vida, isto é, a matéria orgânica
carregava consigo o comportamento da autopreservação, um poderoso ingrediente
da perpetuação. Porém com a chegada do homem, o esforço da vida em manter-se
ganhou uma arma incomparável, a compreensão. O homem, com a sua capacidade de
comunicação e abstração, desenvolveu a ciência para viver melhor, e ela é
utilizada em todas as áreas das nossas vidas, mais do que isso, a ciência tem
trazido ao homem a compreensão do quem somos nós, de onde estamos, do que somos
feitos... O homem é o maior representante da vida e carrega consigo a
capacidade de atingir o seu real propósito. A perpetuação. A mesma ciência
desenvolvida pelo homem compreendeu os padrões de comportamento biológico, suas
limitações, e já começa a burlar estas limitações. Entendeu o funcionamento do
planeta, do sistema solar e o próprio sol.
***
A capacidade
de reflexão do homem fez com que o mesmo buscasse respostas para o porquê de
estarmos aqui. Por muito tempo era a religião quem respondia estas perguntas, no
entanto, a investigação científica fez com que o homem compreendesse que não há
propósito, não há um céu, a morte é o fim individual que assola todos os
viventes. Não há propósito a não serem os comportamentos de autopreservação que
carregamos instintivamente, tais como o medo de se ferir, o medo da morte, a ânsia
pelo sexo, o apego pelos filhos. Estes comportamentos nada diferem dos de
outras espécies irracionais, pois se trata de um instinto coletivo de algo
maior, este algo maior é a vida e ela “quer” se perpetuar. Todo o comportamento
do homem revela este instinto biológico de preservação, e converge todo o
esforço para ele. Intelectualmente sabemos que iremos morrer, mas ignoramos, e
continuamos a construir cidades ou famílias, pois instintivamente queremos
perpetuar a matéria orgânica aqui. A satisfação do homem, bem como dos demais
seres vivos, é um fundamental mecanismo usado para a perpetuação da vida.
Então devemos
entender que este é o propósito de estarmos aqui. Afinal, este o é, e somente o
homem pode compreendê-lo, e somente o homem pode dar o passo seguinte nesta
empreitada da vida. Para manter-se, sem nenhuma interferência racional, a vida
usou seus meios apelativos, como a absorção de outros seres vivos em forma de
alimento, a competição, a ânsia sexual e reprodutiva, a evolução e a adaptação.
Com o uso da inteligência poderemos aperfeiçoar este intento, e cumprir o nosso
real propósito.
Também devemos
compreender que somos por demais primitivos, e para seguir frente à este propósito
da vida deveremos passar por severas transformações e amadurecimentos, não
somente científicos, mas principalmente sociais. Quando os homens unirem seus
esforços nesta intenção, retirando as rebarbas da tentativa anterior da vida que
é o traço do comportamento humano como competitivo, defensivo, agressivo, ambicioso
etc. Poderão convergir socialmente e cientificamente para o aperfeiçoamento e
otimização de nossa espécie, corroborando assim com o propósito da vida.
Tornemos a
imaginar as possibilidades. O avanço do trans-humanismo que poderá aperfeiçoar
nossa espécie, criando seres humanos mais inteligentes, mais fortes, mais
resistentes. O prolongamento da vida humana, o avanço da ciência robótica que
substituirá definitivamente o esforço humano. O labor do homem culminará de
todas as direções para o aperfeiçoamento, desta vez intelectualmente
intencional, da nossa espécie, que é o ápice das manifestações biológicas. Através
da ciência, e do avanço social iremos nos perpetuar, não somente como matéria
orgânica, mas também como indivíduo. Aumentaremos significativamente a nossa
capacidade tecnológica. Habitaremos outros planetas, nos espalharemos pelo sistema
solar, com nossa ciência e compreensão, da vida e do universo, não seremos vítimas
quando o nosso Sol, daqui a milhões de anos, explodir ou minguar. Iremos
descobrir o dispositivo biológico do envelhecimento e da morte, e iremos neutralizá-los,
e a morte não existirá mais. Olharemos para trás, e lembraremos quão primitivos eramos quando ainda perecíamos com doenças, catástrofes naturais, quando ainda
perecíamos de velhice, ou ainda matávamos animais para poder nos alimentar. A
preocupação não será de um planeta super-populoso por não haver mais mortes,
mas sim de um sistema solar populoso, aí então iremos colonizar outras
estrelas. E assim cumpriremos o nosso propósito. O de viver para sempre, o de
habitar o universo. Pois do universo, somos nós a manifestação inteligível.
Para muitos
esta visão parecerá não pouco otimista, e utópica excessivamente. E ela o é.
Ela afligirá e não encontrará lugar na mente de quem pouco é habilidoso com a
imaginação, a mesma imaginação e abstração que nos permitiu diferenciar-nos das
demais espécies. A vida trava uma luta contra o tempo, está destinada a perecer
e sucumbir com este planeta. Entretanto ela lançou uma carta no jogo, esta
carta pode mudar o fim do jogo. Esta carta somos nós. A maior cartada da vida.